Sobre definições e conceitos de pesquisa – O caso da consciência
Prof. Mauricio A. P. Peixoto
Doutor em Medicina, FM – UFRJ
Professor Associado IV
Laboratório de Currículo e Ensino
Núcleo de Tecnologia para a Saúde
Olá!
Esse post é dirigido mais para aqueles que estão em atividade real de pesquisa. Mas se você é uma pessoa interessada nesses temas, espero que te agrade também.
Primeiro deixa eu te apresentar o contexto. Eu faço parte de um grupo de líderes de pesquisa em metacognição e montamos um grupo no whatsapp para discussões. Nesse grupo, por esses dias, surgiu um discussão sobre como interpretar uma proposição de uma pesquisadora grega sobre a consciência. Para esse post não interessam os detalhes específicos da discussão. Aqui trago o que ali escrevi e que acho que tem um público mais amplo.
Agora uma orientação sobre o que segue. Começo descrevendo especificamente os problemas que enfrentamos ao usar o termo “Consciência”. O que ele realmente significa e em que contextos? Depois prossigo concluindo sobre o que fazer na prática da pesquisa. E são esses comentários que acho que são de interesse maior para o pesquisador iniciante. Então leia até o fim, e espero que tudo isso seja útil.!
O que é consciência?
Sobre método e técnica
Atentar para sua origem, é uma das formas de entender e atribuir significado à uma definição que utilizamos em pesquisa. Por exemplo, como e quando ela surgiu.
No que se refere à consciência, e no campo onde pesquiso – Metacognição e aprendizagem – há duas (pelo menos) tradições importantes. Uma é quando medimos / vemos / observamos a metacognição por meio da introspecção nas suas diferentes técnicas de pesquisa. E aí entra o MAI (um teste de metacognição), entrevistas com análises diversas das transcrições e etc. A segunda caminha pela neurociência, e aí temos experimentos, medidas elétricas, imagens cerebrais, referências anatômicas e etc.
Em resumo e simplificando (talvez demais); uma trabalha com a PSICOLOGIA da mente, e a outra com a BIOLOGIA da mente.
De vez em quando uma conversa com a outra; mas o mais frequente é que elas caminhem separadas, mesmo que se entreolhando. O problema é, na minha humilde opinião, que nós esbarramos com um monte de nomes parecidos, e temos dificuldade em entender o seu significado preciso em um contexto específico. Consciência, regulação, controle, habilidade, e seus complementos (implícita, consciente, inconsciente, autonoética, metacognitiva, das próprias capacidades, etc.) se misturam criando um pântano conceitual. São diferentes pessoas e grupos fazendo afirmativas sobre algo que não conhecem completamente. É inevitável que aconteça quando navegamos no desconhecido.
Sobre “consciência”
Por outro lado, “consciência” é também um nome que damos para nos referirmos a algo situado em um contexto e tradição de pesquisa específicos. Por isso não há sentido prático, em termos da pesquisa que fazemos, de falarmos de uma “consciência verdadeira”; como se houvesse uma “coisa” à qual todos os pesquisadores se referem; e portanto todas essas nossas proposições seriam, em última análise, aspectos particulares de dessa “coisa única”.
Talvez sejam, mas isso é para o futuro. E, ainda mais, se ele vier a acontecer. Na prática estamos usando as mesmas palavras, ou semelhantes, às quais adicionamos diferentes complementos (implicita, metacognitiva, etc) para significar simplesmente que esse é o nome daquilo que estamos vendo / observando / identificando nos limites das nossas técnicas de ver, observar e identificar. E, lamentavelmente é só isso. Ou melhor, é tudo isso.
E ainda mais; o pressuposto nesse caso em discussão, é que seja lá o que for, a “consciência” está lá (onde quer que esteja) e fica lá. Mas onde é “lá”? E aí caímos no problema da mente / cérebro. A mente é o cérebro? Mente e cérebro são coisas diferentes? A mente está no cérebro? Significa então que o cérebro tem coisas que não são a mente? E que coisas são essas?
Simplificando; a Psicologia fala da Mente e a Biologia do Cérebro. E finalmente a Filosofia discute os dois.
E aí vem outra questão: a consciência “fica”, no sentido de que é estável? Isso é, mesmo que admitamos que algumas coisas são conscientes em um momento e inconscientes em outros, há uma divisão clara entre o inconsciente e o consciente? Freud e fala mais ou menos isso; traumas e outras coisas “ruins” são “empurradas” para o inconsciente e lá ficam. Embora possam ter efeitos sobre o comportamento e sentimentos, estas ficam trancadas lá e só (de preferência) o psicanalista pode abrir esse cofre. Ah! mas aí vem o Jung e diz outra coisa:
“Antes de examinar mais de perto nosso dilema, eu gostaria de esclarecer um aspecto do conceito de inconsciente. O inconsciente não se identifica simplesmente com o desconhecido; é antes o psíquico desconhecido, ou seja, tudo aquilo que, supostamente, não se distinguiria dos conteúdos psíquicos conhecidos, quando se chegasse à consciência. Além disso, é preciso acrescentar aqui também o sistema psicóide a respeito do qual nada sabemos diretamente. Assim definido, o inconsciente retrata um estado de coisas extremamente fluido: tudo o que eu sei, mas em que não estou pensando no momento; tudo aquilo de que um dia eu estava consciente, mas de que atualmente estou esquecido; tudo o que meus sentidos percebem, mas minha mente consciente não considera; tudo o que sinto, penso, recordo, desejo e faço involuntariamente e sem prestar atenção; todas as coisas futuras que se formam dentro de mim e somente mais tarde chegarão à consciência; tudo isto são conteúdos do inconsciente. Estes conteúdos são, por assim dizer, mais ou menos capazes de se tornarem conscientes, ou pelo menos foram conscientes e no momento imediato podem tornar-se conscientes de novo. Neste sentido, o inconsciente é a “fringe of consciousness” [uma franja da consciência], como o caracterizou, outrora, William James. As descobertas de Freud, como já vimos, fazem parte também deste fenômeno marginal que nasce da alternância dos períodos de luz e de sombra. Mas, como já dissemos, é preciso também incluir no inconsciente as funções psicóides capazes de se tornarem conscientes e de cuja existência temos apenas um conhecimento indireto...”
C.G. JUNG, Livro 8/2 A Dinâmica do inconsciente – A Natureza da Psique, item E, parágrafo 382, pg 131-132, Ed. 10, Vozes , 1984
Ufa! UFA!. Ou seja, nem a consciência é estável! Pelo menos é o que ele diz. Quem está certo, quem está errado? Faz sentido perguntar sobre certo e errado nesse campo? Agora, neste post, não importa. Essa é outra discussão.
Concluindo: E agora? Como fico?
Então disso tudo fazer o quê?
Adote uma “consciência” (aí ela de novo!) transitória.
Mas também, e ao mesmo tempo, reflita e aprenda sobre conceitos e definições teóricas alternativas. Você não as usará na sua pesquisa atual, mas servirão para duas outras coisas.
Primeiro vai te dar humildade científica. Você não sabe nem pode tudo. Além disso, vão te lembrar que as suas conclusões estão restritas a um contexto específico. E é ele que vai delimitar a validade externa da sua pesquisa.
E em segundo lugar, essa atenção aos conceitos e e conteúdos alternativos vai te permitir gerenciar o curso da sua linha de trabalho. Agora você usa tais ou quais conceitos e definições. Mas no futuro, em função das suas reflexões contínuas, e alimentadas por novos conhecimentos, pode ser que você decida interromper um caminho, modifica-lo ou desbravar algo inteiramente novo.
É assim que a ciência segue; como diria Popper, por meio de conjeturas e refutações!
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