Pró-Culpa e Sucesso Escolar
“O Brasil será um país bem mais arrumado quando tomar a decisão de concentrar-se na multiplicação de chances para quem está pior – e deixar em paz quem está melhor”.
Assim termina J.R.Guzzo na sua coluna em Veja, onde defende a proposição de que no Brasil o sucesso é mal visto. Mais que isto, o sucesso individual se faz sempre à custa do fracasso de outrem. Daí que ter sucesso implica necessariamente em algum tipo de culpa. Como resultado disto o esforço e o talento individual é desestimulado.
Aplicada ao contexto social mais amplo, esta proposição é polêmica. Mas ler o artigo me fez pensar na minha experiência como professor. Por conta do nosso trabalho na Officina da Mente, temos conversado muito eu e Teresa, sobre situações que alunos em diferentes níveis enfrentam na escola. Temos lidado com muitos estudantes, alguns de sucesso, outros com dificuldades nos estudos, mas nos chama a atenção um aspecto específico. Bons ou maus alunos, de alguma maneira todos desejam o sucesso. São muito raros os que de maneira inteira negam o valor do conhecimento ou não desejam uma boa nota ou uma boa classificação em um concurso.
O sucesso na escola ou em concursos públicos depende de talento pessoal, mas também de esforço próprio. É necessário estudar, dedicar algumas horas do dia ao aprendizado individual, concentrar-se em aula. Focar-se no processo de crescimento individual, respeitar a competência do professor e nele espelhar-se (pelo menos em algum grau). Este esforço pode ser bem direcionado, gerando bons resultados, se o aprendiz utiliza as estratégias de aprendizagem corretas, sabe como motivar-se, e é capaz de gerenciar sua própria aprendizagem.
Depende também da família, em que medida ela valoriza o conhecimento e o sucesso. Do quanto a família está disposta a sacrificar do seu bem estar pessoal para acompanhar e valorizar o estudante. Pais e mães precisam valorizar o estudo e a escola, mas precisam também acompanhar seus filhos e filhas. Precisam conversar com professores, identificar precocemente problemas para corrigi-los com rapidez. Precisam atentar para o processo do estudo e seu contexto, não apenas para as notas.
O sucesso depende também da escola e seus professores. É necessário escolher boas escolas, e uma boa escola não é necessariamente uma escola particular. Mas, é muita coincidência que aquela escola da esquina seja pública e de qualidade. Em média, algum esforço deve ser feito. A melhor escola às vezes é longe, outras vezes é cara ou ainda é longe e cara. Escolher uma escola apenas porque é perto de casa e/ou gratuita é colaborar para o fracasso. E de novo aí vai mais esforço dos pais e do aluno para atingir o sucesso.
Não é aqui uma questão de ser pobre ou rico. Claro que com dinheiro você pode escolher escolas caras. Mas há boas escolas públicas que superam muitas particulares. E há ainda muitas escolas privadas de péssima qualidade. É claro que famílias mais humildes têm mais restrição em suas opções. E em algumas a restrição é quase absoluta. Em muitos destes casos o poder público em um papel fundamental. No entanto não é este o tema deste artigo. Abastados ou não, todos precisam dar sua cota de esforço.
E aqui voltamos ao “Pró-Culpa”. Se por um lado o sucesso escolar depende em parte de de fatores externos; depende também muito das características e do esforço familiar e pessoal. Nenhum estudante obtém o sucesso à custa de quem quer que seja. Não estou aqui negando o papel de fatores sociais vários. O que enfatizo é que nenhum estudante poder ser considerado “culpado” pelo seu sucesso; obtendo boas notas, boa classificação em um concurso ou dominando conteúdos que os outros mal conhecem.
Mas é isto o que ocorre, e frequentemente de forma subterrâena. Todos conhecem apelidos e estereótipos aplicados ao estudante de sucesso. E raramente o são de forma elogiosa. É o tipo meio bobão, feio, com quase nenhum traquejo social. Atreva-se este “nerd” a levantar o dedo em aula para pedir maiores explicações, e será fulminado com olhares de reprovação.
Também a sociedade (pelo menos a sua parte mais visível) não o valoriza. Quem é a celebridade? O jogador de futebol, o artista da novela, o cantor. Não que tais atividades sejam desprovidas de valor. Ao contrário, demandam competências e habilidades específicas a par de muito esforço próprio. Mas onde no panteão das celebridades nacionais estão os grandes cientistas, os professores brilhantes, os médicos de renome, os inventores, e outras pessoas que superaram seus limites e obtiveram desempenho acima da média? A questão aqui não é celebrar aqueles, mas ignorar estes.
Individualmente, o que vemos na Officina da Mente é uma grande dificuldade com o sucesso. E isto ocorre de variadas maneiras. é o aluno que oculta o que sabe por medo de “pagar mico”. é também o que nem consegue reconhecer o seu potencial, já que este será desvalorizado. é ainda aquele que tendo obtido algum sucesso o desvaloriza, frequentemente atribuindo-o a causas externas; sorte, prova fácil, coincidência (caiu justamente o que estudei…), etc.
É por isto que uma parte importante do nosso trabalho tem sido combater os efeitos desta repressão. Paralelamente às estratégias de aprendizagem, técnicas motivacionais, é muito importante atentar para os bloqueios internos ao sucesso. Acreditamos que o sucesso pode ser aprendido e conquistado. Procuramos criar uma ambiente favorável ao sucesso na aprendizagem e na vida. Acreditamos que esta é uma parte importante da nossa missão.
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