Copiar ou prestar atenção? Relações entre termos correlatos
No post da semana passada terminamos uma etapa importante. Ensinanos como fazer a Atitude Mental de Atenção. Com isto você já se capacitou para fazer o que prometemos desde o início desta série: Prestar atenção!
No entanto, há alguns alertas que devemos fazer. Isto porque frequentemente confundimos a atenção com outras coisas bem diferentes. E quando isto acontece, nem prestamos atenção nem obtemos estas outras coisas. Mais que isto, às vezes, esperamos da atenção benefícios que ela não pode dar.
Por isto hoje trabalharei com vocês três palavras que que podem ser um problema para quem quer prestar atenção. São elas:
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Memória
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Interesse
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Compreensão
Memória e atenção
Do que foi dito até agora, pode parecer que a construção das formas mentais é uma técnica de memorização. É razoável imaginar que eu internalizo uma informação ela estará disponível sempre que necessário. Mas isto não é verdade. Quantas vezes não conseguimos lembrar-se de algo que já soubemos, até com muita profundidade?
Você dirá: Claro, há coisas que não uso há muito tempo e com isto a memória vai se “apagando”. E você estará certo. A prática é uma forma muito eficaz de memorizar. Mas isto nos leva à uma característica essencial da memória e que a diferencia d atenção.
Quando nos lembramos de algo, o fazemos por conta de duas coisas:
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Este algo já estava dentro de nossa mente e;
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de alguma maneira conseguimos trazê-lo à consciência.
E é esta a diferença. Na atenção apenas introjetamos o objeto. Na memorização o objeto já introjetado é trazido de volta à consciência.
Outra forma de discriminar um termo do outro é ressaltar que na atenção temos em nossa presença o objeto a ser apreendido. Ele é algo do mundo externo e para fazê-lo existir na mente, construo a forma mental correspondente. Já na memória não: o objeto não está mais no mundo externo (pelo menos não na minha presença). Ele existe apenas como forma mental.
Na atenção fazemos existir mentalmente algo que lá estava ausente. Na memória este algo já existe; nossa tarefa é recuperá-lo.
Outro ponto importante, é que a atenção é indispensável para a memória. Se a memória recupera uma forma mental pré-existente, é por meio da atenção que ela é construída. Não é possível memorizar sem a atenção anterior.
Por exemplo, se você está em sala de aula e o professor está explicando um conteúdo, cabe primeiro atentar para ele (construir a forma mental), e isto durante a aula. Já na hora da prova, longe da explicação do professor você precisa exercitar a memória (recuperando a forma mental criada pela atenção)
Assim temos:
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Atenção = Presença do objeto + Construção da forma mental correspondente.
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Memória = Ausência do objeto + Recuperação da forma mental pré-existente.
Esta diferença tem consequências práticas. Sendo diferentes as tarefas – construir e recuperar as formas mentais – são também diferentes as operações mentais que as executam. O propósito deste capítulo é ensiná-lo a praticar a atitude mental de atenção. A atitude mental de memorização é tema de outro texto.
Gostar do assunto (Interesse) e Atenção
Segundo o Aurélio; interesse é “estado de espírito que se tem para com aquilo que se acha digno de atenção”. É portanto resultante do valor que se dá a algo. É só após isto que surge a atenção, Eis aí uma primeira distinção. Outra definição da mesma fonte: “qualidade do que retém a atenção, que prende o espírito”. Isto é é algo que atrai, que prende a atenção. Não é ela própria a atenção.
Que não se negue a importância do interesse. Para atentar, já disse antes, é preciso valorizar o mundo apreendido. Quando gostamos de algo, tudo é mais fácil. É muito importante queo professor motive os seus alunos. Sem saber o valor dos conteúdos apresentados, é difícil que se sintam atraídos por ele.
Qual a função do interesse?
Mas a questão aqui é outra. Afirmo que o interêsse não é suficiente para que o aluno aprenda. Se o caminho é aplainado por ele, o aprendizado começa a ocorrer apenas no momento da atenção. Tomemos um exemplo de La Garanderie:
“Filipe é apaixonado por motos. Observa-as, assiste corridas, vai a oficinas. Lê revistas, coleciona fotos. Fala sobre elas o tempo todo, com seus amigos e com quem mais estiver por perto. Questionado, sabe tudo sobre elas. E por quê este desempenho? Porque dado o seu interesse está atento a tudo o que se refere a elas.”
Nos termos deste texto, está constantemente criando formas mentais do objeto do seu interesse. Tem imagens mentais das motos, relembra corridas importantes, executa em sua imaginação os movimentos do piloto de sua preferência. Assim é que por conta do seu interesse criou espontaneamente uma “biblioteca mental” sobre o assunto. E. quando questionado, basta recuperar a forma mental pertinente[1].
O que chama a atenção neste exemplo é a criação espontânea das formas mentais. Aqui o interesse foi o ponto de partida, mas o desempenho de Filipe não se deu apenas em função do seu interesse por motos, mas porque desenvolveu em relação à elas o hábito de regularmente criar formas mentais dos objetos do seu interesse.
Agora tomemos outro exemplo.
Suponhamos que João não tenha qualquer interesse em motos, mas que por conta do destino empregou-se em uma loja de vendas de motocicletas. Ele não se interessa por elas, nem mesmo gosta, mas sabe que do seu conhecimento e da sua capacidade de se relacionar com os amantes do veículo, depende seu desempenho como vendedor e, portanto o seu sustento.
A diferença está na atenção!
Agora João se comporta exatamente como Felipe, lê as revistas, assiste à corridas, fala com pessoas, etc. Como Felipe, cria as formas mentais adequadas. Como Felipe, portanto, aprende bastante sobre motos, porém não por prazer, mas apenas pelas suas necessidades profissionais. De novo, assim como Felipe a razão para o seu desempenho não foi o interesse, muito pelo contrário, mas sim a criação de formas mentais.
Em defesa do papel do interesse, é provável que Felipe e João se comportem de forma diferente ao longo do tempo. O desempenho de Felipe, provavelmente se manterá alto durante longo tempo, já que ele gosta de motos. Já o de João, provavelmente desaparecerá tão logo ele troque de emprego. Afinal, ele não gosta delas, aprendeu apenas para poder ganhar dinheiro.
Compreensão e Atenção
Parece, às vezes, que basta prestar atenção à aula para compreender um assunto. Basta que o professor explique direito o tema, para que o aluno compreenda. É como se a compreensão fosse uma consequência direta e automática da aula e atenção adequadas.
Neste sentido então, quase se iguala atenção à compreensão. Isto se deve em parte ao desconhecimento das operações mentais específicas à cada tarefa. Já nos referimos à atitude mental de atenção. Vejamos agora o que se passa durante o processo de compreender.
É comum em sala de aula que o professor pergunte aos alunos se compreenderam o que foi dito. Mas o que é compreender? Quando na dúvida, o professor costuma testar a compreensão fazendo perguntas ao aluno sobre o que foi dito. Talvez isto já tenha acontecido com você. As respostas em geral, situam-se em quatro categorias. O aluno:
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Não se lembra de nada.
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Repete “ipsis literis” o que foi dito, mas não consegue explicar o que foi repetido.
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Repete e explica.
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Repete, explica e completa a explicação fazendo ligações com assuntos correlatos.
Estas quatro categorias dão ao professor uma ideia do que se passa na mente do aluno. Da mesma forma podem dar a você uma indicação do seu grau de aprendizado sobre um assunto específico.
No primeiro caso, o aluno nada sabe. Significa dizer que a aula “não entrou” na sua mente. E, do ponto de vista específico deste texto, não houve a construção das formas mentais. Se nada existe, então nada pode ser recuperado. Logo, ele “Não se lembra de nada.”. Neste sentido então, não houve atitude mental de atenção.
No segundo dizemos que há informação, mas o aluno não sabe o que ela significa. Por isto ele repete sem conseguir explicar. Não houve, neste caso o conhecimento. O aluno não consegue responder às perguntas do professor E isto só se dá no terceiro caso quando a repetição se associa às respostas corretas, frequentemente dadas com suas próprias palavras. É neste momento que o professor (e também você) pode perceber que o aluno conhece o assunto.
Mas compreender vai além de conhecer. Quando compreende, você tem consciência sobre quatro aspectos metacognitivos:
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O que você sabe sobre o assunto.
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O que não sabe e precisa saber.
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Como se relaciona tudo o que você sabe, não sabe e precisa saber.
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E finalmente como o que você sabe se relaciona com outros conhecimentos correlatos.
Se as resposta de uma pessoa revelam o seu conhecimento, são as perguntas que indicam a compreensão. Avaliar a compreensão de alguém é analizar a percepção e profundidade de suas perguntas, E esta é uma ferramenta que tanto você como o seu professor podem usar.
Assim, podemos dizer que compreender é uma ação mental onde você torna explícitas as relações entre o todo e as partes. E você sabe que está fazendo isto quando tem respostas para perguntas do tipo: Para que e porque isto se dá; como ocorre, quais seus benefícios, etc.
Por isto fica claro que compreender não é prestar atenção. Na atitude mental de atenção, já dito, você faz existir mentalmente (por meio de formas mentais) um conteúdo que originalmente estava no meio externo.
Mas uma vez criadas as formas mentais, é necessário todo um processamento para gerar o conhecimento e posteriormente a compreensão. Nos termos deste texto, compreender é estabelecer as ligações entre as formas mentais atuais (as que se referem ao conteúdo que está sendo ministrado no presente) e as anteriores (formas mentais de conteúdos passados). Ainda mais, significa usar o seu raciocínio para destas relações, tirar consequências.
Fica claro então a diferença entre a atenção e a compreensão. Mas fica também explícita a função da atenção na compreensão.
Para compreender é preciso atentar
Para compreender é preciso atentar: “Cumprehendere é “tornar para si” ; é também “ter o sentido de”. Há portanto a necessidade prévia de trazer para consciência o objeto a ser compreendido. A ausência da atenção determina a ausência da compreensão. Sem a matéria prima, não há como obter o produto.
Entendeu?
[1] Reitere-se aqui o que já dissemos sobre a metáfora da memória-arquivo; didaticamente forte, mas imprecisa à luz da literatura corrente.
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Hoje terminamos o ato de prestar atenção. Mas a série continua! Se agora você já pode ficar atento, está na hora de trabalhar o ANOTAR. Lembra que no início mostramos que Copiar era impossível e que o melhor era anotar?
Então nos vemos na próxima semana!
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