Copiar ou prestar atenção? Valorizando a Distração.
Nos posts anteriores mostrei como copiar é difícil e que a solução é anotar. Para anotar com eficiência descrevi os seus pressupostos. E hoje vou tratar de um tema no mínimo estranho: Pretendo mostrar a você que para estar atento em aula você precisa estar desatento.
Valorizar a Distração
É o polo de onde sai a atenção:
Faça uma experiência. Pegue um relógio com ponteiro de segundos e fixe sua atenção no seu movimento. Esforce-se para ficar atento apenas ao ponteiro e a nada mais. Por quanto tempo você consegue manter-se atento apenas à ele? Possivelmente só alguns minutos; ou talvez segundos.
É isto aí. Não podemos manter uma atenção concentrada em um único objeto durante longo tempo. Porque?
De novo a Gestalt e a alternância figura-fundo. Estamos o tempo todo “pulando” entre ver e observar, entre ouvir e escutar. Neste sentido então atenção e distração são dois polos de um único contínuo.
Não podemos fugir disto. O que podemos é gerenciar este processo, usando a nossa atenção da maneira certa e com os objetivos adequados. E é este o objetivo deste texto; ajudá-lo nesta tarefa.
A distração é útil:
Em primeiro lugar, não podemos fugir porque a distração é o repouso da atenção. Como vimos você não pode manter sua atenção concentrada em um único objeto durante muito tempo. Distrair-se dele é uma forma de repouso, de modo a permitir que logo após este período você possa retomar ao objeto original da atenção.
Além disto, a distração aumenta a compreensão. Há pelo menos duas razões para esta afirmativa no mínimo contra intuitiva. Uma porque quando atento você está continuamente recebendo novas informações. E assim recebendo o novo o tempo todo, fica difícil processar o que recebe. Por isto é que é só quando você fica “desatento” que aquelas informações recebidas podem ser processadas. Então, ao assistir uma aula, por exemplo, você precisa estar o tempo todo ora recebendo a informação, ora processando-a. Assim é que o processo de alternância é útil porque permite a recepção da informação durante o período de atenção e o seu processamento durante a distração.
Por outro lado, quando você assiste a uma aula ou lê um livro, em geral, está recebendo informação ordenada. Isto é, os conceitos são apresentados em uma determinada ordem, e esta ordenação implica em uma conexão entre um dado tema e o outro que lhe sucede.
Por isto entender a informação seguinte, demanda a compreensão da informação anterior. A distração cria um período de tempo onde a informação recém-adquirida pode ser processada e compreendida. Permite que a nova informação seja recebida com seus antecedentes trabalhados. E isto é bom.
Mas há ainda outro benefício. Já dito, as ideias são apresentadas em aula ordenadamente porque há conexão entre elas. Compreender é perceber estas ligações; é inserir as novas ideias em contextos mais amplos
A distração assim, na medida em que permite o processarnento da informação anterior, permite também estabelecer com mais eficiência a ligação entre estas ideias.
E assim é que captando quando atento; e repousando, processando e ligando durante a desatenção sua compreensão aumenta muito, tornando sua presença em aula muito mais adequada e eficaz para o seu aprendizado.
A distração precisa de objetos:
Já falamos várias coisas sobre a distração, mas não dissemos o que ela é na realidade. Para tal pense um pouco. O que acontece quando em aula você se distrai?
Em síntese, o que é ficar distraído? Neste momento da distração, o que se passa pela sua cabeça? Talvez à uma lembrança sua, ou um pensamento vago?
Para onde você está olhando? Para alguém que passou pela janela, um colega que faz careta, ou um detalhe na roupa de alguém?
O que você ouve? Uma música ao longe, um barulho em algum lugar, os cochichos dos colegas logo à frente. Note que em todas estas circunstâncias você está atento a algo. Alguma coisa atrai a sua atenção, e você fica focado nela.
Isto quer dizer que você continua prestando atenção; apenas o foco não é a aula.. É outro. Então estar desatento em aula não significa que você não esteja atento. Significa apenas que você está atento para outras coisas que não a aula.
Dito desta forma parece uma piada. Mas isto é necessariamente ruim? Sim e não. A desatenção pode prejudicá-lo apenas na medida em que ela foge do seu controle. Você sai do foco e não volta, ou fica nele tanto tempo que ao voltar já não sabe mais o que está sendo tratado no livro ou na aula.
E assim, do ponto de vista deste texto, a desatenção funciona exatamente igual à atenção.
Por isto, assim como a atenção a desatenção também precisa de um foco. De um objeto sobre o qual colocar sua (des)atenção.
E este foco varia conforme o objetivo da desatenção. Por exemplo; se o que você quer é o repouso, basta fixar-se em alguma coisa que não o professor ou o livro. Já se o necessário é a compreensão, então você deve afastar-se da aula (basta aquele “olhar parado”) focando naquilo que acabou de ser dito ou lido.
Por último falemos de um tipo muito especial de objeto – o Devaneio: Você viu ou escutou alguma coisa que o lembrou de outra, que o levou a outra, e a outra e de repente você percebe que já nem sabe direito onde está nem o que está fazendo ali.
Descrito desta forma, o devaneio é danoso à sua concentração. Mas fiquemos apenas com as primeiras associações. Se você estava escutando “A” e isto te lembrou “B”, é porque de alguma forma “A” e “B” estão conectados em sua mente. Se você sabe disto, sem perder o foco da sua atenção (a aula), você pode usar isto em seu beneficio.
Em primeiro lugar, “B” pode ser uma chave de memorização. Por exemplo, sempre que você quiser lembrar-se de “A” comece por “B”. Assim fica mais fácil porque “B” já existe na sua mente e é fácil de lembrar. Já “A” é conteúdo novo, cuja lembrança exige esforço de estudo.
Por outro lado, esta rede de relações: A – B – C – …. – n; pode ser de grande auxílio para você contextualizar ou ampliar as lições do livro ou professor. Por exemplo, o professor pode estar apresentando um conceito; digamos “aceleração”. Em um dado momento da aula ele apresenta a aceleração como variação de velocidade; aí você se lembra da montanha russa que você gosta. E devaneia nas suas experiências de subir e descer nas rampas. Lembra como você sentia o seu corpo mais leve ou mais pesado conforme os diferentes movimentos do carro. Você pode ficar por aí, e neste caso o devaneio apenas o afastou da aula.
Mas você pode ser mais criativo e perguntar-se porque aquela lembrança específica, naquele exato momento da aula. Ao refletir sobre isto você pode se dar conta que andar de montanha russa é um belo exemplo prático das forças de aceleração e desaceleração.
E aí está: Você acabou de transformar um devaneio prejudicial em uma ferramenta de aprendizagem. Agora você pode associar todas as sensações da montanha russa aos conceitos de aceleração. Com isto então deu mais significado ao tema da aula e criou uma chave de memorização muito particular.
Finalmente apenas um sutil detalhe, Devanear é conceber na imaginação: sonhar; mas no exemplo acima, eu me fixei não no ato em si do devaneio, mas no seu conteúdo. Atentei para a lembrança da montanha russa e suas relações com a aceleração. Assim, o objeto da atenção (ou da desatenção, como preferir) não foi o sonho acordado, mas aquilo sobre o que você sonhava. Por isto ao tentar tornar útil o devaneio, atente não para o sonho, mas para o seu conteúdo. Este é o objeto sobre o qual a atenção pode agir.
Fui claro?
Espero que sim, porque por enquanto termino por aqui. O problema é que até agora, não ensinei como OBJETIVAMENTE prestar atenção. Mas não se preocupe pois este é o tema do próximo post, na semana que vem.
Até lá!
Você tem alguma dúvida ou pergunta?
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Olá Professor. Antes de postar a minha observação sobre esse artigo gostaria de parabenizá-lo pela a iniciativa. Os assuntos aqui discutidos têm sido de grande valia para o meu processo de aprendizagem.
Bem, quanto ao tema desse post em específico tenho a seguinte questionamento: sendo o devaneio o mecanismo despertado de forma automática, que tipo de recurso podemos nos valer para canálizá-lo de forma adequada, controlá-lo do mesmo modo que foi feito no exemplo da aceleração?
Noto que devanear de modo tão controlado é um tanto complicado e difícil em alguns momentos.
Tomando a minha experiência como exemplo, o devaneio em alguns momentos se mostrou como um processo de defesa, ativado exatamente pelo o não interesse pelo o assunto sobre o qual se discute.
No mais, um abraço.
Olá Hellon!
Antes de tudo devo alertar para termos como “controle” e similares. Estudar de forma prazerosa é o oposto da rigidez e o controle. Você mesmo escreveu: “Noto que devanear de modo tão controlado é um tanto complicado e difícil em alguns momentos.” E a questão é exatamente esta. Não recomendo que à cada devaneio você se esforce compulsivamente em estabelecer ligações “criativas” e “pertinentes” com a aula. Se você fizer isto, provavelmente ficará muito cansado e perceberá uma significativa baixa da sua produtividade.
O que na realidade recomendo é a criação de um hábito. Em um dado momento você percebeu-se devaneando. Então aí você se pergunta: “Que relação existe entre o conteúdo deste devaneio e o assunto de aula?” A resposta pode vir de imediato, mas também pode tardar. Às vezes pouco depois, às vezes no final da aula ou no dia seguinte; e às vezes nunca. De início é mais importante a criação do hábito que a resposta em si. Claro que com o decorrer do tempo espera-se que não só você não precise mais fazer esta pergunta de forma explícita, como ainda não precise se esforçar para obter a resposta. Com o tempo, espera-se que a resposta apareça SEM a pergunta (pelo menos em sua forma explícita). Usando o exemplo da aceleração, pode acontecer que você assistindo à aula não devaneie, mas tenha um “insight”: “Ah! Isto é o que eu senti na montanha russa. Eu subindo e descendo, percebia claramente a aceleração e a desaceleração…”. Neste caso é como se você chegasse à resposta (aceleração >> montanha russa) sem perceber o devaneio e a pergunta pertinente. Tendo criado o hábito, você “pula” estas etapas.
Quanto ao seu comentário sobre o interêsse pela aula, recomendo a leitura do post “Copiar ou prestar atenção? Relações entre termos correlatos” que você acessa em http://officinadamente.com.br/blog/?p=2521
Um grande abraço
Prof. Mauricio Peixoto