Jung escreve como, ele próprio, enfrentaria a depressão
Küsnacht-Zurique, 09.03.1959
Prezada N. (destinatária não identificada),
Sinto muito que esteja tão atormentada. “Depressão” significa em geral “pressão ou coação para baixo”. Isto pode acontecer mesmo que não se tenha o sentimento de estar “em cima”. Por isso não gostaria de abandonar esta hipótese sem mais. Se eu tivesse de viver num país estrangeiro, procuraria alguma ou mais pessoas, que me parecessem amáveis, e me tornaria de certa maneira útil a elas, para receber libido de fora, ainda que de uma forma algo primitiva como o fez, por exemplo, o cachorro, sacudindo o rabo. Criaria animais e plantas, que me dessem alegria com o seu desenvolvimento. Eu me cercaria de coisas belas – não importa se primitivas ou simplórias – objetos, cores, sons. Comeria e beberia coisas gostosas. Quando a escuridão viesse, não descansaria até penetrar em seu cerne e chão e até que aparecesse uma luz no meio do sofrimento, porque a própria natureza se inverte in excessu affectus. Eu me voltaria contra mim mesmo com raiva, para que no calor dela derretesse meu chumbo. Renunciaria a tudo e me dedicaria à atividade mais humilde, caso minha depressão me forçasse à violência. Lutaria com o Deus sinistro até que me descolasse o quadril, pois ele também é a luz e o céu azul que retém diante de mim.
Seria isto o que eu faria. O que outras pessoas fariam é uma questão que não sei responder. Mas também para a senhora existe um instinto: arrancar-se para fora disso, ou entrar até as profundezas. Mas nada de meias-medidas ou meio entusiasmo. […]
Com votos cordiais, sinceramente seu (C.G.)”
Carl Gustav Jung, Cartas, Vol. 3: 1956-1961. Petrópolis: Vozes, 2003 p. 201-202.