Quem comeu o meu bolo? Ou da luta entre a aparência e a essência
Alguém comeu o meu bolo! Com certeza alguém está comendo os meus bolos. Na delicatessem perto de casa o bolo sumiu. Na padaria da esquina também não tem bolo. Na cafeteria do shopping, cadê o bolo?
E o que eu encontro? Tortas, tortas e mais tortas! De todos os tipos, tortas quentes ou frias, doces ou salgadas, com e sem frutas, com pouco chantili ou com muito, muito chantili. Coberturas de todos os tipos e cores. Amendoins, castanhas ou amêndoas. Chocolate branco ou preto. Morangos, damascos, maçãs ou pêssegos. E isto sem contar a linha do natural, comida viva ou mais ou menos.
Mas você dirá que há bolos nestes lugares, mas eu não acho. A menos que você chame de bolo aquelas coisas esponjosas que ficam naquelas lindas cristaleiras em cima do balcão. Suspeito até que haja uma única fábrica secreta, dirigida por um empresário de cartola, inescrupuloso, e que, fumando charutos usa o trabalho infantil para produzir todas estas fraudes.
A bolo eu me refiro aquela coisa gostosa, fofinha, não excessivamente doce feita pela mãe ou avó. Ou talvez ainda por aquela cozinheira gorda e simpática, cujo cheiro te faz flutuar até a cozinha. O cheiro do bolo, é claro! Bolo é aquilo que a gente comia de tarde com uma xícara de café. Ou às vezes no café da manhã, quente e com generosas porções de manteiga (manteiga mesmo).
Quem comeu estes bolos?
Mais que isto. Por que as tortas estão vencendo???
Eu tenho uma opinião. Não, uma opinião não. Menos. Uma suspeita. Quem sabe vocês concordam. Sigam o meu raciocínio:
Olhem para um bolo e olhem para uma torta. Quem é mais “bonito”? Bem, gosto não se discute, e alguém pode até achar a torta muito “perua”, cheia de ornamentos “mis”. Mas com certeza a torta promete mais. O bolo é só aquilo; um pedaço de massa. A torta não; ela vem cheia de penduricalhos, cores e formas. Ela se promete aos seus olhos. Diz o tempo todo: – Coma-me!
Já o bolo só tem aquele cheirinho delicioso, e isto apenas quando sai do forno ou está em cima da mesa. Mas, pobre coitado, nós só vemos hoje as coisas por detrás de muros de vidro, e dentro de balcões refrigerados. O nariz foi amputado e o olho agigantado.
Vivemos hoje, como diz Guy Debord, uma sociedade do espetáculo. As coisas estão mais para o que parecem do que para o que são. Julgamos cada vez mais as coisas pela aparência, pelo que os outros dizem delas. Em tempos de Big Brother as pessoas ficam famosas pelo que são vistas, não pelo que fizeram de bom. A realidade importa pouco, mais relevante é o que parece ser. E o que parece ser, é o que se diz muitas vezes e bem alto. Volume é mais importante que verdade.
Precisamos cada vez mais aprender muito e em pouco tempo. A ordem então é simplificar e superficializar. Apenas pílulas de “sabedoria”, Apostilas em vez de livros. Informação em vez de conhecimento. Repetição em vez de compreensão. Rapidez em vez de ponderação. Afirmativas em vez de perguntas. Receitas prontas em vez de reflexão. Importar protocolos em vez de produzir conhecimento. Depender da autoridade em vez de ser seu próprio autor (em qualquer) idade.
Pois é…
Sinto falta do meu bolo. O bolo clássico, cheiroso e fofo, desfrutado com paz e tranqüilidade, entre meus amigos e familiares. Mais que um alimento, um repouso para a alma. Um aforisma chinês diz o seguinte:
As coisas são e parecem ser, ou
não são e não parecem ser.
E também são mas não parecem ser, ou
ainda não são mas parecem ser.
É tarefa do homem sábio
separar umas das outras.
Ps: Gosto de tortas e as como. Sinto realmente falta desses bolos, mas aqui o bolo foi mais uma metáfora. Ok?
Mauricio A. P. Peixoto