Portas Novas
E foi assim mesmo que Maria fez: de manhã cedinho saía de arco de flor pra passear. Desembarcava no andaime, pulava pro corredor comprido, às vezes abria uma porta só, às vezes duas ou três, variava o jeito de acostumar…
E acostumou: O medo de abrir porta foi embora até mesmo a porta cinzenta, até a porta vermelha!…
Escancarava elas todas, olhava cada canto, olhava tudo que tinha pra ver.
Até que um dia, quando Maria ia andando pelo corredor, pensando… de repente, parou de olho arregalado: ué!! que porta nova era aquela?
Era uma porta diferente de tamanho e de feitio diferente de pintura também…
Maria abriu a porta bem de leve e bem devagar. Mas sem medo.
Era um quarto vazio.
Maria fechou a porta e ficou muito tempo ali parada, no meio de coisa nenhuma.
Depois, aos poucos, começou a arrumação do quarto.
De um lado, botou uma conversa que ia ter com Pedro…
Do outro lado do quarto (assim meio espremida no canto), Maria botou a viagem pra Bahia…
O resto do quarto todinho ficou sendo a casa caiada, com o mar na frente, a horta no fundo… Depois, veio chegando uma porção de crianças pra brincar na praia…
Maria começou a passar muito tempo no quarto novo. E cada vez que entrava lá, botava mais uma coisa…
Então, no dia seguinte, ela viu outra porta nova no corredor…
Esse quarto ela arrumou só com o mar…
O tempo vai passando, mais portas vão aparecendo, e Maria vai abrindo elas todas, e vai arrumando cada quarto, e cada dia arruma melhor, não deixa nenhum cantinho pra lá. Num quarto ela bota o circo onde ela vai trabalhar; no outro ela bota o homem que ela vai gostar; no outro os amigos que ela vai ter. Arruma, prepara, prepara: ela sabe que vai chegar o dia de poder escolher.
(Extrato de Lygia Bojunga: Corda Bamba, Casa Lygia Bojunga, 2003)