O grande mantra da felicidade
O grande mantra da felicidade, segundo descobri este verão, é olhar para as fotografias do ano anterior, ou melhor ainda de há cinco, ou de há dez anos. Do passado, portanto. O que com a ajuda dos telefones inteligentes, é hoje uma tarefa cada vez mais fácil, contribuindo para tornar esta minha recém-criada terapia contra a neura do envelhecimento numa trend mundial.
Obviamente que, num primeiro momento, entrará em choque, sentindo-se mais infeliz do que nunca — e quanto mais filtros e photoshop tiver usado, pior. Vai reparar que as rugas não estavam lá, que os olhos eram maiores e as pálpebras menos descaídas, a linha do cabelo começava bem mais à frente e a barriga que imaginava gigante, afinal era praticamente inexistente. Sem sombra de modéstia parece-lhe mesmo muito bem, porque será que ninguém lho disse, ou dizendo, não acreditou?
Num segundo momento encher-se-á de raiva: tem a memória clara de que, então, se sentia tão irritado como hoje, com a imagem que o espelho lhe devolvia. Que estava igualmente assombrado por todas as dietas e massagens drenantes que deveria ter feito, e não fez, para não falar nas horas de ginásio e corrida em falta. Mas a verdade é que confrontado pelas fotografias do antigamente, a única coisa que lhe ocorre é por que raio perdeu tanto tempo a lamentar-se, a esconder-se atrás da toalha na praia, a usar uma camisa mais larga para disfarçar as adiposidades, a sentir-se deprimido e a evitar aquela sericaia com ameixa, se na realidade estava mesmo bem, ou pelo menos — o que para aqui importa —, infinitamente melhor do que agora.
E é esse o momento do eureka. O cerne da minha terapia é a tomada de consciência de que este ano, o de 2021 é, de facto, e sem qualquer sombra de dúvida, o melhor ano da sua vida. Como será o de 2022, 2023 e por aí adiante, sempre tendo em conta que a outra alternativa à vida é demasiado definitiva e fatal para o gosto de qualquer um de nós.
Pois é, não há volta a dar. Para trás não pode ir, por muitas máquinas do tempo que lhe prometam, e para a frente lamento informá-lo de que para além da expetativa de vir a ressuscitar num corpo diferente (escolhido à medida), as perspetivas também não são animadoras. Aliás, mesmo que existisse o elixir da vida, há fortes probabilidades de que viesse num frasco lindo, mas com as indicações de uso numa letra tão impossivelmente pequenina que nunca seria capaz de as decifrar — pelo menos a avaliar pelo que acontece nos boiões de cosmética que nos endividamos a comprar. Por isso o meu apelo é que tire muitas fotografias e as deixe a marinar para prevenir a depressão do próximo verão, e arrisque usar toda aquela roupa que anda a dizer que já não tem idade ou corpo para vestir.
Isabel Stillwell, Crônica no Jornal de Negócios. Via Mala d’estórias.