Lavoura
Comecei uma plantação de palavras
Num desabitado do meu pensamento
A intenção é cultivá-las em linha reta
Pra ver se elas me servem de estrada
que vai dar no entendimento das coisas
É lá onde pretendo me assentar
viver da minha horta de letras
e à tardinha sair perfumada e sem pressa
colher significados
Já me vejo ajeitando-os numa cesta de vime
de volta pra casa planejando o jantar:
“hoje servirei lampejos aos convidados
que chegarem com fome de perguntar
de entrada, canapezinhos de vislumbres
deliciosamente inteligíveis de mastigar,
a todos darei o melhor vinho da casa
da mais antiga safra de metáforas…”
Assim, cercada de amigos e comadres
sorverei a noite entre risos e belas frases
Depois, na varanda, ficarei dando adeus
enquanto eles voltam pela mesma estrada
Então fecharei a porta às costas deles
E me deixarei cair enternecida no sofá
A me render a um sono tardio e preciso
Terei visões da minha plantação de palavras
crescendo para os lados e para adiante
até não poder dizer mais de todas elas
que sejam minhas palavras apenas
porque já estarão dando filhos em cachos
pra além de onde minha vista alcança
Vou esperar que caia uma longa chuva de sentidos
a fazer com que a safra seja farta e boa
E cada um possa colher por si mesmo
as palavras que lhes faltem.
Josiane Duarte