Gardner e a Inteligência Musical (Parte 1)
Resumo de Gardner, H.: Inteligência Musical,
pp 78-99, in Gardner, H.:Estruturas da Mente:
A Teoria das Inteligências Múltiplas,
Porto Alegre, Ed Artes Médicas Sul, 1994.
Introdução
O talento musical é um dos primeiros dons que surge no indivíduo. No entanto é incerta a razão desta precocidade. Sendo assim, o estudo da inteligência musical pode nos ajudar a entender o sabor especial da música e ao mesmo tempo esclarecer sua relação com outras formas do intelecto humano.
A música qualifica-se como uma competência autônoma? Ao ver de Gardner, isso dependendo do grau em que esta respoinda positivamente aos critérios definididores de uma inteligência. Em busca destas respostas, iniciaremos então descrevendo neste post:
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O “estado final” de uma inteligência musical,
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algumas das suas capacidades centrais,
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aspectos de seu denvolvimento e treinamento,
Na próxima semana trateremos da(s):
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organização cerebral que possibilita a conquista musical, e finalmente,
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maneiras pelas quas a inteligência musical interagiu e pode interagir com outras competências intelectuais humanas.
Composição
Senssions relata que um compositor pode ser prontamente indentificado pelo fato de ter constantemente “sons na cabeça”. Ele está sempre, em algum lugar perto da superfície de sua consciência, ouvindo sons, ritmos e padões musicais maiores. Embora muitos destes padrões valham pouco musicalmente e possam, de fato ser totalmente abandonados, é o quinhão do compositor estar constantemente monitorando e retrabalhando estes padrões.
De acordo com Roger Sessions, uma composição inicia-se no momento em que idéias começam a cristalizar e assumir forma significativa. Essa idéia capta a atenção do compositor e sua imaginação musical começa a trabalhar sobre ela. Há um componente cognitivo presente.
…o que chamei de pensamento musical lógico é o consequente trabalhar de um impulso musical sustentado, na busca de um resultado constantemente implícito nele. Não é, em qualquer sentido, um cálculo sagaz do que deveria… acontecer em seguida. A imaginação auditiva é simplesmente o trabalho do ouvido do compositor, completamente confiável e seguro de sua direção como ela deve ser, a serviço da concepção claramente delineada.
Entre os compositores, as formas de compor são muito variadas. Porém eles frequentemente concordam entre si sobre o que não é música. Por exemplo, Sessions indica que a linguagem não desempenha qualquer papel no ato de compor e e nisto concorda com Schopenhauer que diz:
“O compositor revela a essência mais íntima do mundo e profere a mais profunda visão em linguagem que seu raciocínio não entende, assim como um hipnotizador(…)”.
Componentes da inteligência
Embora alguns especialistas difiram sobre a definição dos principais elementos constituintes da música os mais centrais são o tom (ou melodia) e o ritmo, isto é, sons emitidos em determinadas freqüências auditivas e agrupados conforme o prescrito. A importância relativa destes dois elementos varia conforme a cultura. Por exemplo; em sociedades orientais o tom é mais valorizado enquanto que na música tradicional da Africa do Sul o ritmo toma a frente.
Em ordem de importância, depois destes dois elementos (tom e ritmo), vem o timbre, que é uma característica individual de um som, devida à combinação de seus harmônicos. Ele permite por exemplo distinguir entre um fagote e um saxofone mesmo quando estão tocando a mesma nota.
A audição é certamente um componente importante da música, mas não essencial. Por exemplo, sua organização ritmica, permite que indivíduos privados desta capacidade possam, pelo menos em parte, desfrutar de alguns aspectos da experiência musical.
Aspecto adicional a ser considerado como central é o componente afetivo. Este não é algo que a ciência positivista aceite com facilidade. Neste sentido seria mais palatável considerar a música apenas em suas variáveis físicas e objetivas. No entanto, qualquer pessoa que esteja intimamente ligada à música pode perceber como este componente está ligado à experiência musical. Nisto concordam diferentes musicistas e compositores contemporâneos assim como Sócrates, expoente da filosofia grega:
A música não pode expressar medo, que é certamente uma emoção autêntica. Mas seu movimento, seus sons, acentos e padrões rítmicos podem ser inquietos, agudamente agitados, violentos e até mesmo repletos de suspense… Ela não pode expressar desespero, mas pode movimentar-se lentamente numa direção predominantemente descendente; sua textura pode tomar-se pesada e, conforme é nosso hábito dizer, “escura” – ou ela pode desaparecer totalmente.
O Desenvolvimento da Competência Musical
Foi na Europa que surgiu o interesse para se saber sobre o desenvolvimento musical, inclusive sobre o crescimento desta competência. Pouco foi o interêsse despertado por este tema no meio acadêmico norte-americano.
Sabe-se que a competência musical precoce apresenta-se nos indivíduos já quando estes são bebês. As crianças normais cantam e balbuciam. Podem emitir sons individuais, produzir padrões ondulantes, imitar padrões prosódicos e sons cantados por outros com precisão tal que afasta a mera produção aleatória de sons.
Na metade do segundo ano de vida há importante transição em suas vidas musicais. Elas começam a compor. Inicialmente são músicas espontâneas, que embora curtas e limitadas apresentam características sonoras que permitem seu entendimento como produção musical. Pouco depois começam a produzir pequenos trechos de canções de músicas familiares ouvidas em seu entorno. Durante aproximadamente um ano, permanece esta tensão entre o espontâneo e o cultural; mas por volta do terceiro ou quarto ano de idade as melodias do ambiente dominante prevalecem, levando ao desaparecimento progressivo destas músicas espontâneas e brincadeiras de sons exploratórios.
Muito mais que na linguagem, encontra-se diferenças individuais notáveis em crianças novas quando elas aprendem a cantar. Muitas conseguem emitir apenas as aproximações mais grosseiras de tons e podem ainda apresentar dificuldade em produzir contornos melódicos precisos aos 5 anos. Mas por volta da idade escolar em geral (na cultura ocidental dominante) possuem um esquema de como uma canção deveria ser, podendo reproduzi-las com alguma precisão. Há pouco desenvolvimento musical após essa idade, e neste sentido a organização escolar deve ter um papel importante, já que os aspectos musicais são sabidamente relegados a um segundo plano em relação aos saberes lingüísticos e lógico-matemáticos.
Ao se olhar o desenvolvimento musical em todo o globo, pode-se afirmar que este desenvolvimento depende da cultura. Podemos exemplificar com os Amang da Nigéria, onde as mães introduzem seus bebês à música e à dança logo que completam uma semana de idade. Estes alegam que todos os indivíduos são musicamente proficientes. E de acordo com os antropólogos jamais encontraram um membro “não-musical” neste grupo.
O processamento
Jeanne Bamberger analisou o desenvolvimento musical na perspectiva piagetiana. Insistiu que o pensamento musical envolve suas próprias regras e restrições. Por isto afirmou que este não pode ser assimilado ao pensamento linguístico ou lógico-matemático. Ela demonstrou, por exemplo, formas de conservação que existem no domínio da música, mas que não são intercambiáveis com as formas clássicas da conservação física.
Bamberger chamou atenção para duas maneiras contrastantes de processar música; uma abordagem figurativa e outra formal. A figurativa é fundamentada apenas no que é ouvido independente de qualquer conhecimento teórico sobre música. Já na abordagem formal, o indivíduo pode conceituar sua experiência musical de uma maneira organizada. Equipado de um conhecimento sobre a música,como um sistema, ele entende o que está ocorrendo.
Qualquer indivíduo em nossa cultura que deseje adquirir competência musical deveria dominar a análise e a representação musical formal. No entanto, esta mudança para o nível de “conhecimento sobre a música” pode envolver um custo. Aspectos da música que são naturalmente de acordo com o modo figurativo, podem ser obscurecidos quando um indivíduo tenta determinar e classificar tudo segundo a análise formal.
Crise da “meia-idade”
O choque entre as formas de processamento musical pode levar jovens musicos à uma crise. De acordo com Bamberger, é comum que os prodígios progridam significativamente com base na apreensão figurativa da música. Contudo, em um momento posterior, a apreensão dos aspectos formais torna-se importante para sua evolução. Particularmente para aqueles cujo desenvolvimento baseou-se fortemente no entendimento intuitivo da música, esta situação pode ser instabilizadora. Com isso, uma crise da “meia idade” ocorre durante a adolescencia na vida destes prodígios, podendo mesmo levá-los a abandonar a vida musical.
Pode-se postular um padrão para o crescimento de um jovem músico. Até a idade de oito ou nove anos ela prossegue por puro talento e energia. Aprende peças prontamente devido ao seu ouvido musical sensível e memória Por volta dos nove anos começa a praticar com mais seriedade. Uma crise inicial começa quando ela percebe que outros valores podem ser prejudicados, tais como o desempenho escolar e amizades.
A segunda e mais central crise é na adolescência, quando dois fatores entram em jogo. Um deles é o choque entre as maneiras figurativas e formais já descrito. O outro se prende a aspectos mais pessoais. Até esta idade, a criança foi um recipiente mais ou menos acolhedor aos desejos e ambições de pais e professores. Agora, o jovem talento começa a ter visões de futuro. Questiona-se sobre seus objetivos da vida, aí incluida a carreira musical. Pondera entre os sacrifícios presentes e os eventuais benefícios futuros, traduzidos em uma promessa de trajetória de sucesso nem sempre dependentes apenas do seu talento musical. É em síntese quando começa a analisar diferentes e alternativos cursos de ação. É quando começa a tomar suas próprias decisões.
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Ola , boa tarde eu qeria saber qe tipo de brincadeiras posso fazer relacionadas a inteligência Musical ??
Tenho um trabalho pra apresentar e n faço a minima ideia do qe fazer .
Desde já agradeço .