Existe uma porta por onde avós e netos precisam passar
Pela própria natureza do amor genuíno que brota dessa relação, essa porta já é construída aberta, escancarada, sem trancas.
Mas cabe a nós, mães e pais, simplesmente uma coisa: dar passagem.
Eu convivi mais de dez anos com a minha sogra antes de vê-la se transformar em avó dos meus filhos.
Antes, era ela quem dava passagem para que eu pudesse entrar. Hoje, sou eu. Hoje, é você.
É nossa função deixar que elas entrem pela porta do ciclo da vida que seguiu e assumam seus papéis de avós com unhas, garras, dentes e coração.
Para que a cada abraço dos netos, elas recebam também um pouco de seus filhos de volta.
Para que a cada olho no olho, elas se reconectem com algo que possam ter perdido lá atrás.
Para que elas carreguem nossos filhos no colo enquanto aliviam nos ombros um pouco do peso de um passado que não conhecemos, mas sabemos que existiu.
Deixemos que elas entrem, no máximo sorrindo de longe ao vê-los brincar no chão construindo pistas de carrinhos ou castelos de areia enquanto sabemos que elas estão, na verdade, construindo novas histórias pra contar para si mesmas.
Sejamos as que dão licença para que elas estejam em um cômodo novo, onde para elas importa muito mais estar do que para nossos filhos, que ainda não sabem direito o que significa ter essa presença que acolhe, brinca, cozinha, cuida, sorri.
Vamos convidá-las a entrar porque a sogra e a mãe que se tornam avó têm diante de si novas chances.
Oportunidades que não tiveram antes ou que talvez tenham deixado escapar.
Toda vez que elas cruzam essa porta, ressignificam algumas coisas que nem sabem que precisam. Desconstroem definições de antes e caminham rumo a finais mais felizes.
Tudo isso só é possível se a gente der passagem. Enquanto me afasto, torço também para que, um dia, quando for a minha vez, eu seja recebida do outro lado por alguém que me convide a entrar.
Trecho retirado da carta aos pais do livro A Vez da Vovó, da autora Gabriela Campanella.