Depois de um certo tempo de olhar…
Depois de um certo tempo de olhar, a gente já não tem paciência com o que é muito complicado. E não se chega a esse lugar por acaso: chega-se exatamente pelo acúmulo de complicação já vivida.
Depois de um certo tempo de olhar, tudo fica bem mais simples. A própria vida, lapidadora habilidosa, simplifica a gente devagarinho, experiência a experiência, pressa nenhuma, até a mudança de frequência acontecer.
Depois de um certo tempo de olhar, não importam todas as palavras bonitas de mãos dadas, amor, amor mesmo, a gente entende que, para além das palavras, é gesto, é presença, é cuidado, é companheirismo.
Depois de um certo tempo de olhar, palavra tem um valor enorme. Sabemos o que é precioso, o que é dádiva, o que é bênção, o que importa, pra gente, e ninguém ganha mais um “eu te amo” que não comece verdadeiramente em nós. A nossa perspectiva de amor é outra e outro é o nosso coração.
Depois de um certo tempo de olhar, a gente não é mais capaz de aceitar coisas que, antes, mesmo não gostando, aceitava sorrindo sem graça. Hoje, se aceitarmos, a cara nos desmente no ato, os olhos chateados, a energia pesada, os ombros tensos. Nem corporalmente ainda conseguimos mentir. E isso é uma vitória.
Depois de um certo tempo de olhar, temos sonhos ainda catalogados. Alguns, mesmo bem envelhecidos, não morreram, e aguardam, lá no lugarzinho onde moram, o instante de acontecerem. Mas nenhum deles, com toda a beleza que têm, nos importa mais do que a vontade clara, pura, imensa, de estar em paz com nós mesmos.
Há um tempo em que desesperadamente queremos isso e aquilo e outras coisinhas mais, mas, depois de um certo tempo de olhar, a gente quer, em primeiríssimo lugar, é um bocado de saúde de corpo e de alma e a mais bonita paz.
Ana Jácomo.