Dança de Amor e Vida
O seguinte depoimento do antropólogo Colin Turnbull, que viveu com os pigmeus da floresta tropical de Ituri, na África Central, ainda que extenso, ilustra o significado da dança para o homem religioso e, ao mesmo tempo, a perplexidade do homem moderno, intelectualizado, diante da situação:
Uma certa noite viverá para sempre comigo, porque acho que naquela noite aprendi até que ponto nós, civilizados, nos afastamos da realidade. A lua estava cheia, e por isso as danças tinham se estendido mais do que o habitual. Pouco antes de ir dormir, estava de pé do lado de fora da cabana, quando ouvi um ruído curioso que vinha do bopi (local onde as crianças brincavam), que era ali perto. Isso me surpreendeu, porque à noite os pigmeus não costumavam andar fora dos limites do acampamento principal. Fui até lá para ver do que se tratava.
Ali, na minúscula clareira, reluzente de prata, estava o requintado Kenge, adornado com vestimentas de casca de árvore, folhas e flores nos cabelos. Estava completamente só, dançando em círculos e cantando suavemente para si mesmo, enquanto seu olhar se perdia nas copas das árvores.
Acontece que Kenge era o maior namorador num raio de quilômetros ao redor, de modo que, depois de vê-lo dançar certo tempo, fui até a clareira e perguntei, sorrindo, por que estava dançando sozinho. Ele parou, lentamente se voltou e olhou-me como se eu fosse o maior idiota que ele já tivesse visto na vida; e estava evidente que minha ignorância o surpreendia por completo.
“Mas eu não estou dançando sozinho”, respondeu. “Estou dançando com a floresta, com a lua.” Depois, absolutamente indiferente a minha presença, continuou sua dança de amor e vida.
Zimmermann, E. (organizadora) : Corpo e Individuação , Vozes Ed, 2009 apud WHITMONT. O retorno da deusa. São Paulo: Summus, 1991: 117.