O Medo de Ser
O medo de ser paralisa o gesto de afeto pelo temor do ridículo, do riso, do escárnio, da gozação, da indiferença e, até, do elogio.
O medo de ser impede a franqueza diante daquele de quem se depende. O medo de ser impossibilita a entrega completa porque ela pode ser mal interpretada. O medo de ser prolonga muita coisa que já acabou…
O medo de ser paralisa o gesto de amor; adia o telegrama de parabéns; não envia a carta de amor; finge que não odeia; esconde-se na simpatia; simpatiza com os escon derijos; faz concordâncias irrefletidas; aceita influências; finge-se de forte; depende do que aparenta…
O medo de ser é a fuga do mais genuíno e próprio de cada pessoa por causa dos padrões e modelos e comporta mentos inculcados, introjetados, inoculados, disfarçados em amor…
O medo de ser forma a legião das representações que envolvem 80 (90? 95?) por cento dos nossos atos.
O medo de ser gera outros eus. Gera o tu, o ele, o nós, o vós, O eles no eu; e não o eu no tu, no ele, no nós, no vós, neles, como expressão mais autêntica e verdadeira do que somos e não do que fingimos ser.
(Artur da Távola: Alguém que já não fui. Crônicas, Salamandra Consultoria Editorial, Rio de Janeiro, RJ, 1978)