Uma executiva no céu!
Max Gehringer (Revista Exame)
Foi tudo muito rápido.
A executiva bem-sucedida sentiu uma pontada no peito, vacilou, cambaleou.
Deu um gemido e apagou.
Quando voltou a abrir os olhos, viu-se diante de um imenso portal.
Ainda meio zonza, atravessou-o e viu uma miríade de pessoas.
Todas vestindo cândidos camisolões e caminhando despreocupadas.
Sem entender bem o que estava acontecendo, a executiva bem-sucedida abordou um dos passantes:
– Enfermeiro, eu preciso voltar urgente para o meu escritório, porque tenho um ” meeting” importantíssimo.
Aliás, acho que fui trazida para cá por engano, porque meu convênio médico é classe A, e isto aqui está me parecendo mais um pronto-socorro. Onde é que nós estamos?
– No céu.
– No céu?…
– É.
– Tipo assim, o céu? Aquele com querubins voando e coisas do gênero?
– Certamente. Aqui todos vivemos em estado de graça permanente.
Apesar das óbvias evidências (nenhuma poluição, todo mundo sorrindo, ninguém usando telefone celular), a executiva bem-sucedida custou um pouco a admitir que havia mesmo apitado na curva.
Tentou então o plano B: convencer o interlocutor, por meio das infalíveis técnicas avançadas de negociação, de que aquela situação era inaceitável.
Porque, ponderou, dali a uma semana ela iria receber o bônus anual, além de estar fortemente cotada para assumir a posição de presidente do conselho de administração da empresa.
E foi aí que o interlocutor sugeriu:
– Talvez seja melhor você conversar com Pedro, o síndico.
– É? E como é que eu marco uma audiência? Ele tem secretária?
– Não, não. Basta estalar os dedos e ele aparece.
– Assim? (…)
– Pois não?
A executiva bem-sucedida quase desaba da nuvem.
À sua frente, imponente, segurando uma chave que mais parecia um martelo, estava o próprio Pedro.
Mas, a executiva havia feito um curso intensivo de “approach” para situações inesperadas e reagiu rapidinho:
– Bom dia. Muito prazer. Belas sandálias. Eu sou uma executiva bem-sucedida e…
– Executiva… Que palavra estranha. De que século você veio?
– Do 21. O distinto vai me dizer que não conhece o termo “executiva”?
– Já ouvi falar. Mas não é do meu tempo.
Foi então que a executiva bem-sucedida teve um “insight”. A máxima autoridade ali no paraíso aparentava ser um zero à esquerda em modernas técnicas de gestão empresarial.
Logo, com seu brilhante currículo tecnocrático, a executiva poderia rapidamente assumir uma posição hierárquica, por assim dizer, celestial ali na organização.
– Sabe, meu caro Pedro. Se você me permite, eu gostaria de lhe fazer uma proposta. Basta olhar para esse povo todo aí, só batendo papo e andando à toa, para perceber que aqui no Paraíso há enormes oportunidades
para dar um “upgrade” na produtividade sistêmica.
– É mesmo?
– Pode acreditar, porque tenho PHD em reengenharia. Por exemplo, não vejo ninguém usando crachá. Como é que a gente sabe quem é quem aqui, e quem faz o quê?
– Ah, não sabemos.
– “Headcount”, então, não deve constar em nenhum versículo, correto?
– Hã?
– Entendeu o meu ponto? Sem controle, há dispersão. E dispersão gera desmotivação. Com o tempo isto aquí vai acabar virando uma anarquia.
Mas nós dois podemos consertar tudo isso rapidinho implementando um simples programa de “targets” individuais e avaliação de “performance”.
– Que interessante…
– Depois, mais no médio prazo, assim que os fundamentos estiverem sólidos e o pessoal começar a reclamar da pressão e a ficar estressado, a gente acalma a galera bolando um sistema de “stock option”, com uma campanha
motivacional impactante, tipo: “O melhor céu da América Latina”.
– Fantástico!
– É claro que, antes de tudo, precisaríamos de uma hierarquização de um organograma funcional, nada que dinâmicas de grupo e avaliações de perfis psicológicos não consigam resolver. Aí, contrataríamos uma consultoria
especializada para nos ajudar a definir as estratégias operacionais e estabeleceríamos algumas metas factíveis de “leverage”, maximizando, dessa forma, o retorno do investimento do Grande Acionista… Ele existe,certo?
– Sobre todas as coisas.
– Ótimo. O passo seguinte seria partir para um “downsizing” progressivo, encontrar sinergias “high-tech”, redigir manuais de procedimento, definir o “marketing mix” e investir no desenvolvimento de produtos alternativos de alto valor agregado. O mercado telestérico por exemplo, me parece extremamente atrativo.
– Incrível!
– É óbvio que, para conseguir tudo isso, nós dois teremos que nomear um “board ” de altíssimo nível. Com um pacote de remuneração atraente, é claro. Coisa assim de salário de seis dígitos e todos os “fringe benefits” e
mordomias de praxe. Porque, agora falando de colega para colega, tenho certeza de que você vai concordar comigo, Pedro. O desafio que temos pela frente vai resultar em um “turnaround” radical..
– Impressionante!
– Isso significa que podemos partir para a implementação?
– Não. Significa que você terá um futuro brilhante … se for trabalhar com o nosso concorrente. Porque você acaba de descrever, exatamente, como funciona o Inferno…