O que é um elefante? Entre o Behaviorismo, o cognitivismo e outros ismos
Já escrevemos sobre o behaviorismo, e isto gerou críticas. Para alguns pareceu que eu criticava de forma desequilibrada esta corrente, sem reconhecer nela qualquer valor. Os comentários daquele post são esclarecedores das críticas e da minha posição. Hoje no entanto, fazendo uso de um espaço editorial que os comentários não permitiriam, procuro ampliar o tema e explicitar ainda mais minha posição quanto àquela corrente. Espero que gostem.
Uma fábula indiana
Uma antiga e conhecida fábula indiana conta que alguns brâmanes cegos, ao caminhar por uma estrada depararam-se com um grande animal. Sem outra ferramenta que não o seu tato, buscaram conhecer este desconhecido. E assim após algum tempo, reuniram-se para discutir suas conclusões.
Um deles, tendo palpado a tromba disse: Este animal é uma grande cobra! Outro, a partir da orelhas descreveu-o como uma palmeira com sua folhas largas e finas. Um terceiro protestou: Não! É um grande coqueiro, afirmou, já que havia palpado uma das pernas. Já aquele que havia segurado o rabo afirmava ser o animal um grande espanador móvel. E assim por diante, cada um dos brâmanes afirmava uma coisa diferente, conforme a parte do animal que tinha sido o seu objetoi de estudo. A fábula termina com os brâmanes em acalorada discussão sobre o que seria realmente este animal; cada um defendendo a correção de sua própria avaliação.
Neste caso uma dificuldade importante, foi a de que, usando apenas o tato, e sendo o elefante (sim o grande animal era simplesmente um elefante) um animal muito maior que cada um dos brâmanes, nenhum deles tinha podido observar o todo. Em um certo sentido, todos estavam certos mas também todos estavam errados. Acertavam ao descrever suas partes, mais que isto fazendo descrições por analogias. Diziam: O elefenate é COMO… Mas também erravam ao afirmar que tendo tirado conclusões parciais, suas afirmativas eram uma descrição do todo, e não apenas de uma de suas partes.
Tudo é relativo mas… nem tudo:
E o que isto tem a ver com os “ismos” acima? É que nas ciências em geral e na educação/psicologia em particular (já que estas são áreas fortes neste blog) a presença de correntes de pensamento são uma constante – Behaviorismo, cognitivismo, construtivismo, humanismo, gestaltismo, etc, etc, etc. Em geral as correntes debruçam-se sobre um mesmo tema, mas procuram entendê-lo sob princípios diferentes.
Até aí, nada demais. A verdade na natureza se oculta sob muitos véus e diferentes grupos tem histórias, leituras e circunstâncias variadas o que os levam a diferentes explicações e visões de mundo. O problema surge quando estes grupos advogam apenas para si a posse da verdade, desvalorizando as hipóteses alternativas.
Isto quer dizer que eu ache que qualquer explicação serve, devendo aceitá-la apenas porque oriundas de diferentes “histórias, leituras e circunstâncias”?
Não. A coisa não é assim tão simples. Pessoas (ou grupos) erram, mesmo de boa fé. Há fatos ou experimentos novos que iluminam pontos anteriormente obscuros e revelam erros anteriores. Velhas teorias caem por terra no fragor do embate entre argumentos contrários. Popper (um epistemólogo dos mais influentes do sec XX), dizia que a ciência avança por meio de “Conjeturas e Refutações” (título de um dos seus livros). Neste sentido então, o debate e a crítica não só são normais como ainda mais; de alta relevância para o progresso da ciência.
Behaviorismo e cognitivismo – Forças e fraquezas:
Aprendizagem é uma destas áreas onde o debate segue vivo. Estudar e explicar a aprendizagem hoje passa pelo menos por duas grandes correntes; o behaviorismo e o cognitivismo. Cito Lefrançois (2009, pg 397):
Embora sejam poucas as posições consideradas inteira e exclusivamente behavioristas ou cognitivas, esses rótulos são úteis para indicar a orientação geral de um teórico e os tipos de assunto com os quais a teoria se ocupa. As teorias behavioristas lidam com as investigações das relações entre os estímulos, as respostas e as conseqüências do comportamento. Em contraposição, os psicólogos cognitivos estão menos interessados em estímulos e respostas, e mais nos processos intelectuais: solução de problemas, tomada de decisão, percepção, processamento da informação, formação de conceitos, autoconsciência e memória, entre outros.
Neste sentido então, fica claro que embora as duas correntes preocupem-se com a aprendizagem, elas se debruçam sobre diferentes aspectos. Observam o fenômeno sob diferentes pontos de vista.
Você pode por exemplo “ver” um jogo de futebol do ponto de vista do placar; que time marcou quantos gols e portanto quem ganhou o jogo. Mas pode também “ver” o mesmo jogo do ponto de vista do esforço e dedicação dos jogadores, e neste sentido apontar quem jogou melhor. Às vezes o placar acompanha o desempenho, outras vezes não. Placar e desempenho são ambos partes do jogo. Podem ser analisados separadamente ou em conjunto. Mas você não pode dizer que esteja errado alguém que olhe o placar, da mesma forma não pode rejeitar aquele que valoriza o desempenho.
Analisar o placar tem aspectos positivos e negativos; assim como o behaviorismo tem forças e fraquezas. Isto não o desmerece, possui-las é da natureza de qualquer explicação ou teoria científicas. Novamente cito Lefrançois (2009, pg 408-11 ):
Uma crítica importante ao behaviorismo é que a mecanização que essa teoria aplicou à humanidade desumanizou o animal homem. Os críticos ressaltam que os seres humanos possuem consciência, que o sentimento é parte do comportamento e que, certamente,a interação humana com o ambiente vai além da simples questão de estímulos e respostas. Esses críticos sustentam, além disso, que o condicionamento, em todas as suas variedades, deixa muito do comportamento humano sem explicação. Alguns também reagem negativamente ao uso dos animais em estudos cujos resultados são generalizados para o comportamento humano. Outros se sentem amedrontados com a idéia de aplicar uma ciência do comportamento humano para modelar e controlar pensamento e ação.
Os behavioristas, em sua própria defesa, afirmam que apenas lidando com aqueles aspectos do funcionamento humano claramente mensuráveis e definíveis podem validar e tornar confiáveis suas conclusões. Os behavioristas reagem com escárnio à natureza caótica e confusa da psicologia mais “mentalista”. Perguntam o que são imagens, sentimentos e sensações, e que valor podem ter no desenvolvimento de uma ciência do comportamento.
De maneira muito clara, o behaviorismo enfatiza a objetividade e perde alguma relevância ao fazê-lo. Mesmo assim, a abordagem gerou uma grande quantidade de pesquisas e teorias aplicáveis e continua a ter enorme influência no desenvolvimento da teoria da aprendizagem. Muito da ênfase atual na experimentação e no rigor científico deriva do trabalho de pessoas como Guthrie, Watson e especialmente Hull. A ênfase na aplicabilidade prática da teoria deve muito ao trabalho de Thorndike. E a contribuição de Skinner para uma ciência prática do comportamento não pode ser subestimada.
Já dito, analisar o placar (do jogo) tem seus aspectos positivos e negativos. Prosseguindo na mesma metáfora, o mesmo ocorre ao valorizar o esforço e a dedicação do jogadores. E voltando ao tema deste post, também o cognitivismo tem suas forças e fraquezas, como bem aponta Lefrançois (2009, pg 412):
Os críticos das abordagens cognitivas aplicáveis à aprendizagem humana baseiam suas objeções nas abordagens cognitivas consideradas menos precisas e mais subjetivas no levantamento de informações e na teorização. O uso extensivo do jargão por muitos cognitivistas contemporâneos e a aparente falta de concordância entre as diferentes posições também causam confusão e suscitam críticas.
Tanto Bruner quanto Piaget têm sido criticados porque às vezes a terminologia deles é confusa e porque as metáforas que usam são freqüentemente obscuras e pouco práticas. Piaget também tem sido muito criticado pelos seus métodos experimentais imprecisos, suas amostragens não representativas, pelo número extremamente pequeno de sujeitos empregados na maioria de seus estudos, pela falta de análise estatística no seu trabalho inicial e pela tendência de supergeneralizar e suprateorizar com base em seus próprios dados. Vygotsky tem sido criticado pela falta de precisão e pela natureza global e extremamente abrangente de sua teorização. Os teóricos cognitivos contrapõem a essas críticas o argumento de que estão lidando com tópicos que são mais relevantes para o comportamento humano do que as questões relacionadas apenas a estímulos, respostas e conseqüências das respostas, e que investigar esses tópicos requer fazer inferências com base em informações limitadas.
Bruner, Piaget e Vygotsky continuam a influenciar a educação de crianças e especialmente as práticas escolares. Piaget é responsável por converter uma geração inteira de professores e pais em fascinados observadores de crianças e de seu desenvolvimento. Nas últimas décadas, a teoria de Vygotsky cresceu em popularidade no ambiente educacional.
Para refletir:
Dizer-se behaviorista ou cognitivista hoje, não deveria ser um ato de fé (e para alguns é, para outros não), mas uma escolha racional; ponderando-se os argumentos contra e a favor de cada teoria, assim como suas tendências pessoais e interesses particulares em determinados objetos de pesquisa ou ação.
Ao contrário dos brâmanes da fábula, não deveriamos nos degladiar em busca da supremacia (e às vezes isto se dá). Mais produtivo me parece seria buscar uma integração. Descrever uma aprendizagem complexa e multifacetada, onde todos, respeitados os cânones da boa norma, poderiam contribuir. Mais uma vez recorro às palavras de Lefrançois (2009, pg 420-21) para encerrar este post:
Nenhuma delas venceu talvez porque não exista apenas um tipo de aprendizagem. No final, os modelos mais úteis podem ser aqueles que reconhecem isso mais claramente e admitem os diversos tipos de aprendizagem possíveis na riqueza das circunstâncias sob as quais a aprendizagem ocorre. Um tal modelo deveria reconhecer que a força do aprendiz humano repousa no enorme espectro de competências e adaptações possíveis.
Idealmente, o aprendiz humano é flexível, não rígido; é aberto, não fechado; é inventivo, não receptivo; é mutável, não fixo; é poético, não prosaico. Os modelos de aprendiz e as teorias que deles resultam deveriam refletir esse fato.
Será que fui claro?
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