Do Ensino à Aprendizagem: A Europa Medieval (2/2)
No período da formação do Império Árabe, século VI e VII, Maomé funda uma nova religião e seu seguidores são chamados de muçulmanos, que acreditam que este foi o último mensageiro de Deus. A doutrina de Maomé está no Alcorão, obra prima da literatura árabe e universal.
Assim é que no século XIII inicia-se uma nova vida intelectual. É nas escolas monacais, e em algumas universidades onde prosperam os Doutores da Igreja. Desenvolve-se aí não só o conhecimento como também o método, que caracterizaram a Filosofia Escolástica, que concilia a razão histórica com a fé cristã, tendo como maior expoente entre seus fundadores São Tomás de Aquino.
Este afirmava o conhecimento como supranatural, mas não anti-racional, o que permitia a análise teológica pelas ferramentas da lógica Aristotélica. A Suma Teológica é o exemplo máximo desta postura. O método tomista consistia no questionamento de uma proposição. Pode ser resumido em quatro etapas:
1. Apresentação da proposição: Por exemplo, a Questão XVI Artigo 1º “Se a verdade existe somente no intelecto, ou antes, nas coisas”.(Aquino).
2. Argumentos contrários: Apresentação das posições de eruditos que sejam anteriores e antagônicas à solução proposta no texto.
3. A solução: Onde o autor apresenta a sua tese.
4. A argumentação: Onde o autor apresenta as suas respostas às objeções apresentadas pelos eruditos contrários.
Este método tornou-se simultaneamente uma poderosa ferramenta de defesa das próprias idéias, como também se percebe, fortemente didático. Criava-se assim como que um “livro-texto”, onde aprendizes encontravam, de forma bem sistematizada, os diferentes argumentos com os quais seriam capazes de defender a fé cristã.
Se por um lado isto era uma solução para a intelectualidade, ao mesmo tempo, era necessário divulgar o ideário, em uma população de nobres e plebeus iletrados. Para tal a igreja valeu-se então de uma multiplicidade de recursos instrucionais. A transmissão oral era favorecida pelo desenvolvimento entre seus padres da retórica e da dialética, disciplinas onipresentes no Trivium universitário. Em que pese a distância no tempo e local, consulte-se o padre Vieira:
“Há de tomar o pregador uma só matéria, há de defini-la para que se conheça, há de dividi-la para que se distinga, há de prová-la com a Escritura, há de declará-la com a razão, há de confirmá-la com o exemplo, há de amplificá-la com as causas, com os efeitos, com as circunstâncias, com as conveniências que se hão de seguir, com os inconvenientes que se devem evitar, há de responder as dúvidas, há de satisfazer as dificuldades, há de impugnar e refutar com toda a força da eloqüência os argumentos contrários, e depois disto há de colher, há de apertar, há de concluir, há de persuadir, há de acabar. Isto é sermão, isto é pregar, e o que não é isto é falar de mais alto” (Vieira).
Mas a didática não parava aí. A idade média é o tempo das catedrais. Local centralizador da inteligência religiosa, mas também de outras habilidades. Uma delas a arquitetura. Visitar uma catedral é sentir a pequenez do homem frente à magnificência de Deus. Ao mesmo tempo, as esculturas, os ícones, em particular a via sacra, são todos meios visuais para ensinar uma doutrina para iletrados. As missas medievais eram sempre que possível, cheias de pompa e circunstância. O incenso e os sons, mobilizando emoções as mais diversas. Imagine-se o efeito no homem medieval, de estar em um catedral, escutando sermões intercalados ora pela música sacra vibrando através das centenas de tubos de um órgão, ora pelo coro de monges beneditinos entoando seu Kírie.
Do mesmo passo é nesta época que proliferam as xilogravuras, inicialmente sob a forma de figuras únicas e depois encadernadas. Obras religiosas que pelo seu formato podem ser considerados os precursores das histórias em quadrinhos atuais. Um exemplo (cerca de 1460), a Biblie Pauperum (Bíblia dos Pobres), obra que não era para ser lida, mas para ser vista (Fevbre & Martin; Manguel ).
Perceba-se nesta breve descrição o uso combinado e perfeitamente integrado de uma multiplicidade de recursos didáticos que faria inveja ao educador contemporâneo. Em um mesmo cenário, envolver aspectos afetivos e cognitivos. Uma instrução inserida na realidade do aluno. Múltipla, mobilizando a visão, a audição, o movimento. Simultaneamente, fornecendo, sob o argumento da autoridade, alívio para os mais recônditos receios do homem. Não surpreende portanto a hegemonia obtida nestes últimos séculos.
No século XIII acontece a criação das universidades de Nápoles, Paris, Bolonha, Salerno, Oxford, Heidelberg e Viena buscando a universalidade do saber. A Idade Média foi fecunda em lutas pela autonomia, gratuidade do ensino e pagamento de professores. O saber universitário foi aos poucos se elitizando; fechado nas Academias, submetido à censura da Igreja e burocratizado pelas Cortes, mas mesmo assim foi grande a influência da Universidade. Ela forneceu o primeiro exemplo de organização puramente democrática.
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