Apologia de Sócrates ou Dos perigos e responsabilidades do professor
No dia 15 de dezembro de 2008 tive a grande responsabilidade de proferir um discurso como representante dos pais durante a Colação de Grau de meu filho na Escola Parque.
Foi um discurso que acredito, fez sentido naquela cerimônia. Mas acredito também que ao referir-se a temas mais amplos, fará sentido neste blog. É também, eu acho, um texto adequado para esta ante-véspera de Natal
Mas isto cabe a você, o leitor, julgar.
Prof. Mauricio Peixoto
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Senhores diretores, senhoras diretoras, meus colegas; coordenadores, pedagogas e professores,
Senhores e senhoras pais e mães,
Meu filho, filhas e filhos de outros pais e mães aqui presentes,
A todos agradeço a grande responsabilidade que me foi oferecida de dirigir-lhes a palavra.
A arte é longa e vida é breve, já dizia Hipócrates. Da mesma forma pouco é o tempo de que disponho.
Vivemos hoje um tempo de indefinições. No dizer de Marx “Tudo o que é sólido se desmancha no ar”.
O mundo está como que atordoado. Mais que crise financeira; uma crise de confiança. Em quem se apoiar neste momento? Em quem acreditar?
No centro capitalista do mundo a estagnação e o desemprego. Apesar disto, no Brasil o dólar dispara. O primeiro mundo em recessão volta os olhos para os paises emergentes. No entanto, aqui e acolá nacionalismos exacerbam-se com visões do passado.
Nossos jovens modelam-se pela celebridade da hora, que tal se tornou pelo fato apenas de ser célebre. Ao mesmo tempo, traficantes e milícias tomam de assalto o estado, procurando legitimar-se no exercício de cargos públicos; outrora símbolos da honra e da probidade.
Senhores e senhoras, meu filho, nossos filhos,
Em tempos de mudança e nevoeiro, importa voltar os olhos para o que não envelheceu. Para o que, com brilho próprio mantém-se vivo apesar dos esforços contrários. Falo de Sócrates; julgado e condenado a morte pelo crime de corromper a juventude. Dele o que diziam seus acusadores?
-Sócrates comete crime e perde a sua obra, investigando as coisas terrenas e as celestes, e tornando mais forte a razão mais débil, e ensinando isso aos outros.
Eis o seu grande crime: Usar a razão e o conhecimento para entender o mundo. Lutar contra a ignorância, o engodo e a má fé. E ainda pior; ENSINAR ISTO AOS OUTROS.
Senhores e senhoras, meu filho, nossos filhos,
Sim. Ensinar é tarefa perigosa. Nestes últimos 2400 anos, de múltiplas e sutis formas ,Sócrates vem sendo repetidamente envenenado.
Sim, Sócrates foi um subversivo. Incitou os jovens a rebelar-se.
Mas chamo a atenção; uma rebeldia de todo longe do protesto dos tolos e ignorantes. Seu chamado era para a sabedoria, para o verdadeiro conhecimento. Os gregos viam a verdade como que oculta em véus, que apenas difusamente revelavam os seus contornos. Cabia aos filósofos retira-los.
Era este o convite socrático; usar o conhecimento e a razão para compreender o verdadeiro mundo, oculto sob os véus da ignorância, do engodo e do preconceito.
E este convite, meus amigos, me parece agora particularmente importante – confusos que estamos neste mundo pleno de mensagens contraditórias.
Hoje concluo um convívio regular de três anos com a Escola Parque e fico feliz de ter percebido neste tempo todo, que de variadas formas o convite socrático tem sido aceito e estimulado.
Nem sempre estivemos de acordo. Em muitos momentos discordei e não me calei. Mas o tempo todo houve o respeito à discordância.
E aqui explicitamente falo da Heloisa, do Fabio, do Giovani, do Carlão e do Tonico. Mas falo também por inclusão, de todos os 23 professores. Afirmo que cada qual à sua maneira e na sua especialidade, arriscou-se a mais uma vez ser envenenado no julgamento dos ímpios.
Sim, porque verdadeiramente ensinar, é estimular o livre pensar, o raciocínio crítico. O aluno que verdadeiramente aprende, aplica o que sabe no mundo em que vive. E isto é perigoso, porque aqueles que acreditam saber, sentem-se ameaçados quando sua verdadeira face é revelada.
Senhores pais;
O aluno que aprende incomoda. Mas para nós os pais, é também um prazer.
Neste período de vestibular fiquei muito ansioso quanto ao desempenho do meu filho. Seguidas vezes tive vontade de poupá-lo do sofrimento dos longos e extenuantes exames. Minha esposa em certo momento comentou que se eu pudesse, iria fazer as provas por ele; ao que concordei enfático. No entanto meu filho que escutava o diálogo interveio neste momento dizendo: “-Ainda bem que não pode, porque eu sei mais matemática que você!”.
Pois é. Ele dizia a verdade. E eu que sempre procurei ajuda-lo em seus estudos, percebo que cada vez mais é menor o âmbito de conteúdos nos quais posso ser útil.
Agora então que entra para a faculdade em uma área que não é a minha; o processo deve se acelerar.
Como disse Gibhran “Nossos filhos não são nossos filhos. São filhos da vida…” E hoje uma vida que ele e cada um dos seus amigos e amigos terá de viver de maneira cada vez mais autônoma e independente.
Uma vida que espero, e imagino que os pais aqui presentes também, o permitam se tornar uma pessoa melhor do que já fomos um dia.
Porque é este o ideal da educação, tanto escolar como familiar – Criar um contexto que facilite o crescimento e desenvolvimento de seres humanos sempre maiores e melhores.
Meu filho, nossos filhos,
A vocês têm sido dadas oportunidades que poucos tiveram. Nós com nossas virtudes e limitações, temos feito o que de melhor julgamos para o seu crescimento e desenvolvimento.
Vocês formam hoje uma elite, financeira e cultural. É provável que nas próximas décadas vocês venham a formar algum tipo de classe dirigente neste país e quiçá no mundo. Alguns em órgãos de governo, outros produzindo o novo conhecimento, outros ainda a liderar pessoas em diferentes aspectos da realidade.
Isto porque vocês tiveram e ainda terão por algum tempo condições que poucos desfrutam. Saibam utiliza-las em seu benefício e da coletividade.
Aprendam, estudem, pratiquem. Experimentem o novo, respeitem o antigo. Saibam fazer a adequada síntese entre a tradição que estrutura e a inovação que oxigena.
Mas acima de tudo, saibam que são vocês os responsáveis pelo futuro. Breve o mundo estará em suas mãos; e como disse Violeta Parra “-Caminhante, não há caminhos. O caminho se faz ao andar.”
Senhores diretores, senhoras diretoras, meus colegas; coordenadores, pedagogas e professores.
Senhores e senhoras pais e mães
Meu filho, filhas e filhos de outros pais e mães aqui presentes,
Aqui encerro não com as minhas palavras, mas as de minha esposa. Porque apesar do que acabou de ser dito possa ter dado a impressão de uma jornada solitária, afirmo e enfatizo: Desde cedo meu filho, minha esposa e eu temos formado uma forte unidade, onde a educação e aprendizagem tem sido um dos temas muito discutidos e decididos em conjunto.
Por isto o pai agora se retira, para que pelo coração da mãe a mensagem seja entregue.
Uma homenagem a você, meu filho, aos seus amigos e estudantes, potenciais candidatos à universidade:
A primeira coisa que quero dizer é que vocês estão de parabéns!
Aprovados ou não no vestibular, vocês merecem o nosso aplauso e o nosso reconhecimento. Passar para uma universidade de excelência é tarefa árdua e, por que não dizer, desumana?
Sabemos o quanto é difícil dar conta de tamanha quantidade de informações e ainda assim manter a qualidade do seu aprendizado, no momento em que o que está em jogo é a disputa por uma vaga naquelas que são consideradas as melhores faculdades e universidades.
Sabemos o quanto é difícil mergulhar nos livros, focar nas aulas; quando estão aí, vivas e presentes, pressões externas e internas, que tiram a tranqüilidade e te tiram do seu centro.
Considerando que cada um de vocês é, em essência um ser individual e único, e portanto, com competências que ora podem facilitar que ora podem também dificultar o aprendizado, todos vocês, sem exceção, estão passando por esta etapa da vida vitoriosos e merecedores do reconhecimento do papel que ocupam no mundo, na escola, na família e na sociedade.
Que esta consciência permaneça ao longo da sua vida pessoal e profissional. Isto permitirá a sua evolução como ser humano vivo e íntegro, na suas forma de pensar, agir e sentir.
A vocês, parabéns e muito obrigado por tudo que aprendemos nesta caminhada no ano de 2008. Nós, mães e pais, vibramos, torcemos, suamos e sofremos junto com vocês, nossos filhos.
Aprendemos a ouvi-los e a enxergá-los para além da aparência e do óbvio.
Exercitamos flexibilizar negociar e priorizar tarefas, tempo, lazer, tentando colocar cada uma destas coisas no seu devido lugar e no seu momento adequado.
Cobramos demais? Cobramos de menos? Cobramos na medida certa? Não sabemos.
Mas uma coisa nós podemos dizer: Estamos orgulhosos de vocês.
Nossos filhos queridos, nós te amamos.
Maria Teresa
Gostei muito!
Profundo e você desenrolou muito bem o tema responsabilidade!
E abalou quando fez o convite socrático:usar o conhecimento e a razão para compreender o verdadeiro mundo, oculto sob os véus da ignorância, do engodo e do preconceito.