A visita
É só uma impressão de terem batido à porta, que depois vira certeza de que há, sim, alguém tocando a campainha. Confuso-me como quem vê a si mesma lá fora, sem que a porta seja espelho. Faço-me entrar, conduzindo-me sala dentro gentilmente. E recebo a mim mesma num abraço de tempos.
Olho tudo em volta, interessada na disposição de móveis e certezas. Então deparo-me com minhas idéias dispostas nas estantes e concordo. E sinto-me aconchegada porque concordar com si mesmo é conforto. Sento-me numa cadeira à minha frente. Pego-me as mãos e peço-me que me conte: “Como foi de viagem?’ Suspiro como quem recolhe memórias e então partilho comigo minhas melhores lembranças.
A tarde vai se esvaindo em histórias e gargalhadas. Mas chega a minha vez e então quero saber como andaram as coisas por aqui, enquanto estive fora. Digo-me que tudo na mesma, que quem fica sempre tem menos o que contar. Acabo por me falar dos livros que li, dos meus novos pensamentos, das coisas em que passei a acreditar e de medos que não tenho mais. Implico-me com um beliscãozinho impertinente e pergunto-me: já assisto a filmes de terror sozinha? Digo que não, ainda!, e faço-me um cafuné desmanchando meus cabelos, só para implicar de volta, que sei que não gosto quando fluem isso. Vamos juntas pra cozinha, escarafunchar a geladeira, naquela cumplicidade de amigas sem cerimônia. Sirvo-me um mate gelado.
Seria um fim de tarde ordinário não fosse pela chegada desavisada. Interesso-me em saber agora para onde é que eu vou. Digo-me que vou sair por uns dias, a existir inadvertidamente entre quinquilharias Peço-me então que não me demore porque me agrada a minha companhia Pisco-me os olhos de dentro e é esboçando um semi-sorriso que me ponho à porta, esperando que eu a abra como faz convidado antes de ir embora. Agradeço-me pela visita, dou-me novo abraço demorado, me despeço,
…e rimos juntas de sermos quem sou.
Josiane Duarte, 17/11/04 e 07/01/05
(Cliente da Psicoterapêuta Maria Teresa Guimarães)
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